Tuesday, March 13, 2007

 

Obrigações: Casos Práticos 13-3-2007

Notas: Os casos práticos que se seguem são da autoria do Dr. Pedro Múrias
Só os casos práticos assinalados com asterisco (*) serão resolvidos em aulas de subturma

Caso prático n.º 42.
António guiava sob o efeito do álcool, de modo que se despistou, entrando pela montra de Luís adentro e destruindo-a. No dia seguinte, porém, um ataque terrorista fez ruir todo o edifício em que se situava a loja de Luís. Quid juris?

Caso prático n.º 43.
Ilídio empurra negligentemente João de um andaime no vigésimo andar. Na queda, João leva um tiro na cabeça disparado por Lisandro, que o odiava. Assim, João aterra já morto em cima de um monte de vigas de aço que estavam no chão. Quid juris?

Caso prático n.º 44.
Por falta grave da vigilância exigível, uma fábrica emite flúor durante vários meses em quantidade muito superior ao máximo legalmente permitido. Num viveiro de árvores das cercanias, o crescimento das plantas foi inferior ao esperável, com danos quantificados para o seu proprietário. Sucessivas equipas de peritos, escolhidas por acordo dos interessados, não chegaram a quaisquer conclusões sobre a relação, ou falta dela, entre a emissão de gás e o menor desenvolvimento das árvores. Os donos do viveiro e da fábrica, discutindo uma eventual indemnização, concordam que «a verdadeira causa» dos danos não pode ser determinada sem margem para dúvidas. Quid juris?

* Caso prático n.º 45.
Carlos dá negligentemente um tiro no pé de Daniel. Este vai parar ao hospital e, por negligência de um dos médicos, a ferida gangrena e tem de ser amputada toda a perna. Não era provável, à partida, que Daniel viesse a ficar sem perna. Que responsabilidade civil haverá?
Quid juris se o tiro é dado numa zona de Angola em que não há hospitais nem meios de transporte eficazes e a perna gangrena antes de chegarem ao hospital? (considere relevante o direito português)

Caso prático n.º 46.
A EDP instala postes de alta tensão numa zona de floresta de pinheiros. Os postes têm 10 metros de altura. Um decreto-lei sobre esta matéria estatui que os postes devem ter, em zona de floresta, 20 metros e, em zona sem árvores, 10 metros. Uma criança inimputável sobe a um poste na zona de floresta e morre electrocutada. Prova-se que, se o poste tivesse 20 metros, como a lei manda, a criança não conseguiria subir a ponto de morrer electrocutada. Quid juris?

Caso prático n.º 47.
Joaquim atropela por negligência Luísa, de oito anos de idade, que seguia pela rua acompanhada da mãe. Luísa sofreu vários traumatismos, de modo que passou largo tempo hospitalizada e em grande sofrimento. A mãe de Luísa ficou em estado de choque e, tendo recuperado ao fim de alguns dias, passou a acompanhar todo o processo de cura da filha, com grande prejuízo da sua vida profissional — a mãe de Luísa era advogada. O pai de Luísa sofreu também imenso com o sucedido e pagou as intervenções dos melhores médicos com vista a conseguir a recuperação da filha. Depois da saída do hospital, o pai custeou ainda complicados processos de reabilitação psico-motora da filha, sempre perante as instituições mais famosas (e caras). Além dos pais, também a empregada doméstica destes sofreu significativamente com o acidente de Luísa, porque a acompanhava desde bebé e dela muito gostava. A empregada chegou a ter de receber acompanhamento psiquiátrico. Quais os danos indemnizáveis por Joaquim (e pela sua seguradora)?

Caso prático n.º 48.
Dois ciclistas seguem à noite de luzes apagadas, um atrás do outro. Um automóvel que vem em sentido contrário, a meio de uma ultrapassagem, mata o ciclista que vai à frente, por não os ter visto. Pergunta-se se o ciclista que ia atrás é responsável, visto que, se ele levasse a sua luz acesa, o outro também seria visto e não morreria.

Caso prático n.º 49.
O carro de Deolinda foi seriamente danificado num acidente devido a negligência de Efigénia. O carro era muito velhinho, de modo que Deolinda não o conseguiria vender por mais de 100 contos. Mas a verdade é que andava e não tinha problemas mecânicos! A reparação custa 200 contos. Como deverá Deolinda ser indemnizada por Efigénia (ou pela sua seguradora)?

Caso prático n.º 50.
Fernando é electricista e estava a trabalhar no restaurante de Gilberto quando, por manifesta negligência, causou um curto-circuito que fez incendiar a máquina do café, destruindo-a. Gilberto só conseguiu receber uma máquina de café equivalente passados cinco dias, pela qual pagou 500 contos. Por dia, Gilberto costuma vender 400 cafés, a 80$ cada (400 x 80 = 32 contos; 32 x 5 = 160 contos). Tendo em conta a electricidade, a água e o café em grão, aquela máquina gastava 4 contos por dia. Nesse mesmo período, Gilberto vendeu 200 chávenas de chá (quarenta por dia), a 120 escudos cada (200 x 120 = 24 contos), quando não costumava vender mais de 5 por dia nessa época do ano (5 x 5 x 120 = 3 contos). Cada chávena de chá saía-lhe a 40 escudos (200 x 40 = 8 contos; 25 x 40 = um conto). Qual o valor da indemnização?
Quid juris se estes valores diários tivessem sido apurados por uma auditora e, segundo a sua própria estimativa, permitissem uma margem de erro de 13%, não havendo outros dados?

Caso prático n.º 51.
Kasparov, Kramnik, Anand e Leko — respectivamente, os primeiro a quarto mais bem classificados jogadores de xadrez da altura — iriam participar em Lisboa num torneio em que eram os únicos concorrentes. O torneio oferecia prémios aos quatro participantes: 40.000 contos para quem ganhasse, 20.000 para o segundo, 15.000 para o terceiro e 10.000 para o quarto. Suponha que Kasparov ganhou a grande maioria dos torneios em que participou nos últimos 10 anos (em torneios deste nível, ganhou 4 em cada 5) e nunca ficou abaixo do segundo lugar. Desta vez, porém, não ganhou prémio algum, já que, por dolo do cozinheiro de um restaurante em que ofereceram um banquete em sua honra, teve uma intoxicação alimentar que o deixou de cama durante os dias do torneio. Que indemnização deverá haver?
[Por simplicidade, ignora-se a possibilidade de classificações ex æquo.]

Caso prático n.º 52.
Num acidente devido a negligência de Dante, foi seriamente danificado o automóvel de Occam, que teve por isso de permanecer na oficina, em reparações, durante um mês. Dante (ou a sua seguradora) concede assumir a despesa da oficina, mas rejeita em absoluto a hipótese de pagar seja o que for pelo simples facto de Occam ter andado um mês a pé. Quid juris?

Caso prático n.º 53.
Elisa manobrava uma retroescavadora quando, por falta de atenção ao mapa das instalações da zona, cortou um importante cabo eléctrico. A energia só regressou passados alguns dias, o que causou sérios danos à sociedade Indústrias Fulano & Beltrano, Lda.: uma máquina avariou, tendo de ser reparada (€ 4.300) e causando perturbações na produção (perda de encomendas com o valor líquido de € 9.000). Uma outra máquina não avariou, mas o corte de energia impediu-a também de funcionar (perdas líquidas de € 10.000). Quid juris?

Caso prático n.º 54.
Uma empresa de consultoria, a CCC, fez uma avaliação errada do valor da sociedade comercial JJJ, L.da, cujos sócios estavam a pensar vendê-la. A CCC agiu nos termos de um contrato com a JJJ. António veio a comprar as quotas da JJJ, mas percebe agora que fez um péssimo negócio. Poderá pedir responsabilidades à CCC?

Caso prático n.º 55.
Gilberto é veterinário e dono de algum gado. O seu vizinho Hélio, também criador, teve os seus animais infectados com carbúnculo, mas não tomou as medidas necessárias para impedir a propagação da doença, nem sequer avisou Gilberto, de modo que vários animais do vizinho foram afectados. Gilberto administrou-lhes o tratamento adequado segundo os cânones da medicina veterinária, mas, porque se tratava de uma estirpe rara e não identificada da bactéria, esse tratamento veio a agravar a doença. Gilberto perdeu assim 50% do gado infectado, quando as mortes não costumam exceder 30%, se for aplicado o tratamento devido. Quid juris?

Caso prático n.º 56.
Ivone passeava pela obra de Joaquim, com o consentimento deste. Sem sua autorização, porém, aventurou-se por uma zona onde viria a sofrer com a queda de um andaime, que fora deficientemente armado por Joaquim. Quid juris?

* Caso prático n.º 57.
Zebedeu conduzia uma camioneta do seu patrão, Xavier. Certo dia, quando estava quase a chegar ao armazém de Xavier, aparece-lhe subitamente, a seguir a uma curva, uma pilha de caixas de mercadorias que um seu colega de trabalho (Vasco) ali tinha deixado, mesmo no meio do caminho. Zebedeu travou correctamente, e tudo teria corrido bem se os travões não tivessem avariado naquele preciso momento.
Na verdade, veio depois a descobrir-se uma fragilidade impensável nos discos dos travões, que se partiram com a travagem brusca. A camioneta fora fabricada pela sociedade Automóveis de Portugal, S.A., e os discos dos travões, pela sociedade Trava a Fundo, Lda..
Zebedeu, contra ordens expressas de Xavier, tinha dado boleia a um amigo seu, Sérgio, que ali ia procurar emprego.
O acidente foi sério. A camioneta despistou-se, destruindo as ditas caixas de mercadorias, cujo conteúdo pertencia a Quirino, um cliente de Xavier, e atropelando Rui, que ia a passar. Zebedeu ficou incólume, mas Sérgio deu uma grande cabeçada, de modo que teve de ser assistido no hospital, e ainda se lhe estragou a roupa nova que levava. A camioneta ficou seriamente danificada. Que responsabilidade civil haverá?

* Caso prático n.º 58.
António e Bento chocaram ao cruzarem-se de automóvel numa rua estreita. Bento e António eram empregados de Carlos. Bento estava ao serviço, cumprindo as suas funções; António, pelo contrário, tinha «desviado» o carro para ir visitar a mãe. Não se apurou qual a exacta causa do acidente, mas é certo que um dos condutores se tinha aproximado demais do centro da via, se não o tivessem feito os dois. Bento e Carlos ficaram feridos, tal como o Bobi, o cão de Daniel, que acabou atropelado pela traseira do carro de António. Em que medida são civilmente responsáveis António, Bento e Carlos?

* Caso prático n.º 59.
O Museu dos Museus, instituição particular de utilidade pública, é de visita gratuita. Nuno é seu empregado, acompanha os visitantes e dá-lhe explicações do que vêem. Odete, electricista, foi contratada pelo museu para uma série de arranjos previamente definidos. Nuno não era um moço especialmente honesto: muitas carteiras de visitantes foram desaparecendo até se descobrir que era ele o autor dos furtos. Odete não era muito cuidadosa: estava em cima do telhado quando deixou escorregar a mala das ferramentas, que atingiu um transeunte que não tinha nada a ver com o museu. Será o museu responsável por estes danos?

* Caso prático n.º 60.
Certo docente de uma universidade privada, a pretexto de resolver dúvidas, convenceu uma aluna a ir ao seu gabinete nas instalações da faculdade já fora do horário das aulas. Aí, abusando da sua posição de docente e de um certo temor reverencial da aluna, constrangeu-a a ter relações sexuais consigo. É a universidade responsável pelos danos daí resultantes? Quid juris se o abuso tiver ocorrido fora das instalações da universidade?

* Caso prático n.º 61.
A Padaria X contratou António para distribuir o seu pão, todos os dias de madrugada. A distribuição era feita no carro de António, que não era empregado da Padaria. Certo dia, António não podia fazer o serviço, tendo pedido a seu irmão, Bento, que o substituísse. Assim aconteceu. Bento, porém, conduzindo com pouco cuidado, veio a ter um acidente. Quid juris?



Caso prático n.º 62.
Isabel e Joana são vizinhas. Isabel é dona do Bobi, um cãozinho; Joana, do Cérbero, um canzarrão. Os bichos costumavam brincar e lutar nas cercanias — enfim, o Bobi tentava sobretudo fugir... — sem nunca terem feito mal a ninguém.
Ali perto passa a A-13. Nos termos da lei, as «auto-estradas devem ser vedadas, em toda a sua extensão, de modo a impedir a entrada de animais ou pessoas», e as concessionárias devem assegurar constantemente o bom estado de conservação das vedações.
Kramer é dono de um terreno vizinho dos de Isabel e Joana e contíguo à A-13, ao longo de 1 km. Kramer não costuma encontrar-se nesse terreno. Mesmo junto à vedação da auto-estrada, havia um enorme e velho eucalipto que, desde o último temporal, ameaçava claramente cair. Kramer ordenou a Manuel, seu empregado, que abatesse a árvore, mas este, por preguiça, andava a adiar o trabalho, dizendo ao patrão que já o fizera. Pois o eucalipto veio a cair por si, deitando abaixo a vedação naquele sítio. A Lisa, S.A., concessionária da A-13, exigiu a Kramer que consertasse a rede. Perante a sua recusa, aquela propôs uma acção em tribunal pedindo que Kramer fosse condenado à reparação. Entretanto, o buraco mantém-se, com conhecimento de todos.
Em mais uma sessão de «morde e foge», o Cérbero perseguiu o Bobi através do buraco aberto. O Cérbero não chegou à faixa de rodagem, mas o Bobi entrou por ali a correr.
Nélia conduzia a cerca de 135 km/h quando o Bobi se lhe atravessou à frente. Nélia atropelou-o antes de o ver, perdeu o controlo do carro, bateu no carro de Patrícia, que ia a uma velocidade semelhante, e capotou. O carro de Nélia saiu dali para o ferro-velho. O carro de Patrícia ficou ligeiramente danificado. Patrícia seguia sem cinto de segurança, foi cuspida do automóvel através do pára-brisas e morreu ao bater com a cabeça numa pedra. Não há qualquer indício de que os danos fossem menores se Nélia ou Patrícia seguissem a 120 km/h.
Onofre, médico, parou o carro na berma para socorrer Nélia. Tirou-a do carro, que se incendiou pouco depois, e telefonou para o 112. Nesse momento, porém, Onofre lembrou-se de que estava quase na hora do SPORTEM / Real Madrid, pelo que continuou viagem em busca de uma televisão, deixando Nélia sozinha à espera da ambulância.
Nélia sofreu lesões muito graves, cujos resultados finais ainda estão por determinar.
Patrícia não tinha parentes nem cônjuge, mas vivia com uma amiga, Quitéria, a quem deixou todos os seus bens por testamento.
Que responsabilidade civil haverá?


O dever é uma coisa muito pessoal; decorre da necessidade de se entrar em acção, e não da necessidade de insistir com os outros para que façam qualquer coisa
Madre Teresa de Calcutá

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